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O feliz regresso dos artistas a casa

  • 11.3.06
  • (pequeno) manifesto contra a violência quotidiana

    o silêncio dos amigos
    é como o ruído de fundo
    do universo:
    chega até nós
    insidiosamente
    e sempre muito mais tarde

    por silêncio, refiro-me
    não apenas à aparente indiferença
    - que, dessa, o mundo
    está cheio, embora doa mais
    naqueles em que depositámos
    alguma esperança.

    por silêncio quero dizer
    o inverso do amor,
    esta agressão diária
    de esperarmos uma voz
    - não sabemos qual,
    mas teria de ser intensa,
    essencial, inesquecível –
    que jamais aparece.

    e no entanto muitas vezes
    chegam mensagens oportunas,
    sinais de presença,
    pequenas contribuições
    de amistosa camaradagem,
    frases curtas ou longas,
    secas ou comovidas,
    juntamente com postais
    e panfletos, propaganda diversa,
    burocracias e pedidos
    que nos interrompem:
    a colheita heterogénea do carteiro,
    a derrama anónima dos mails.

    aqui, a paisagem da minha insónia
    contém muitos pássaros,
    algumas luzes ainda acesas da noite,
    as silhuetas dos pinheiros
    descrevendo curvas, num plano alto,
    contra a circulação horizontal das
    nuvens.
    e subitamente a lua, fina,
    como uma advertência superior.
    os pássaros, claro, são apenas sons,
    milhares de chilreios diferentes
    que anunciam a sua própria ausência.

    os amigos, aqueles que nos
    encarniçamos
    a chamar assim, talvez mesmo
    contra a vontade deles, não sofrem
    de insónias: dormem o sono tranquilo
    de todos os que se voltaram
    para o outro lado, e cumprem os ritmos
    justos da vida.

    estão mortos por antecipação,
    mas não sabem; e se soubessem,
    pouco lhes importava.
    o apelo do poeta ingénuo
    como o ruído de fundo do universo,
    só chega muito mais tarde,
    fora de horas, a despropósito,
    e não serve para nada:
    como as maçãs dispostas na fruteira,
    está apenas ali desde ontem,
    desde sempre, entre o sono
    dos móveis, e das salas vazias,
    dos aparelhos inúteis,
    dos jornais ultrapassados,
    e dos livros por ler.



    Poema de Vítor Oliveira Jorge incluído na publicación "O feliz regresso dos artistas a casa", con fotografías de Joaquim Hierro (Isla Cristina e Islantilla). Para ver o conxunto de poemas e fotografías: http://configuracoes.planetaclix.pt/Feliz.htm (Ediçoes Afrontamento).
    Vítor Oliveira Jorge naceu en Lisboa en 1948. Publicou, entre outros libros, "Os ardis da imagen", "Estrangeira terra litoral", "As arquitecturas sazonais", "A suspensao do mundo", "Sobre alguns reflexos de lágrimas paradas a meio do rosto".

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