(pequeno) manifesto contra a violência quotidiana
o silêncio dos amigos
é como o ruído de fundo
do universo:
chega até nós
insidiosamente
e sempre muito mais tarde
por silêncio, refiro-me
não apenas à aparente indiferença
- que, dessa, o mundo
está cheio, embora doa mais
naqueles em que depositámos
alguma esperança.
por silêncio quero dizer
o inverso do amor,
esta agressão diária
de esperarmos uma voz
- não sabemos qual,
mas teria de ser intensa,
essencial, inesquecível –
que jamais aparece.
e no entanto muitas vezes
chegam mensagens oportunas,
sinais de presença,
pequenas contribuições
de amistosa camaradagem,
frases curtas ou longas,
secas ou comovidas,
juntamente com postais
e panfletos, propaganda diversa,
burocracias e pedidos
que nos interrompem:
a colheita heterogénea do carteiro,
a derrama anónima dos mails.
aqui, a paisagem da minha insónia
contém muitos pássaros,
algumas luzes ainda acesas da noite,
as silhuetas dos pinheiros
descrevendo curvas, num plano alto,
contra a circulação horizontal das
nuvens.
e subitamente a lua, fina,
como uma advertência superior.
os pássaros, claro, são apenas sons,
milhares de chilreios diferentes
que anunciam a sua própria ausência.
os amigos, aqueles que nos
encarniçamos
a chamar assim, talvez mesmo
contra a vontade deles, não sofrem
de insónias: dormem o sono tranquilo
de todos os que se voltaram
para o outro lado, e cumprem os ritmos
justos da vida.
estão mortos por antecipação,
mas não sabem; e se soubessem,
pouco lhes importava.
o apelo do poeta ingénuo
como o ruído de fundo do universo,
só chega muito mais tarde,
fora de horas, a despropósito,
e não serve para nada:
como as maçãs dispostas na fruteira,
está apenas ali desde ontem,
desde sempre, entre o sono
dos móveis, e das salas vazias,
dos aparelhos inúteis,
dos jornais ultrapassados,
e dos livros por ler.
o silêncio dos amigos
é como o ruído de fundo
do universo:
chega até nós
insidiosamente
e sempre muito mais tarde
por silêncio, refiro-me
não apenas à aparente indiferença
- que, dessa, o mundo
está cheio, embora doa mais
naqueles em que depositámos
alguma esperança.
por silêncio quero dizer
o inverso do amor,
esta agressão diária
de esperarmos uma voz
- não sabemos qual,
mas teria de ser intensa,
essencial, inesquecível –
que jamais aparece.
e no entanto muitas vezes
chegam mensagens oportunas,
sinais de presença,
pequenas contribuições
de amistosa camaradagem,
frases curtas ou longas,
secas ou comovidas,
juntamente com postais
e panfletos, propaganda diversa,
burocracias e pedidos
que nos interrompem:
a colheita heterogénea do carteiro,
a derrama anónima dos mails.
aqui, a paisagem da minha insónia
contém muitos pássaros,
algumas luzes ainda acesas da noite,
as silhuetas dos pinheiros
descrevendo curvas, num plano alto,
contra a circulação horizontal das
nuvens.
e subitamente a lua, fina,
como uma advertência superior.
os pássaros, claro, são apenas sons,
milhares de chilreios diferentes
que anunciam a sua própria ausência.
os amigos, aqueles que nos
encarniçamos
a chamar assim, talvez mesmo
contra a vontade deles, não sofrem
de insónias: dormem o sono tranquilo
de todos os que se voltaram
para o outro lado, e cumprem os ritmos
justos da vida.
estão mortos por antecipação,
mas não sabem; e se soubessem,
pouco lhes importava.
o apelo do poeta ingénuo
como o ruído de fundo do universo,
só chega muito mais tarde,
fora de horas, a despropósito,
e não serve para nada:
como as maçãs dispostas na fruteira,
está apenas ali desde ontem,
desde sempre, entre o sono
dos móveis, e das salas vazias,
dos aparelhos inúteis,
dos jornais ultrapassados,
e dos livros por ler.
Poema de Vítor Oliveira Jorge incluído na publicación "O feliz regresso dos artistas a casa", con fotografías de Joaquim Hierro (Isla Cristina e Islantilla). Para ver o conxunto de poemas e fotografías: http://configuracoes.planetaclix.pt/Feliz.htm (Ediçoes Afrontamento).
Vítor Oliveira Jorge naceu en Lisboa en 1948. Publicou, entre outros libros, "Os ardis da imagen", "Estrangeira terra litoral", "As arquitecturas sazonais", "A suspensao do mundo", "Sobre alguns reflexos de lágrimas paradas a meio do rosto".
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